25 de fevereiro de 2014

20 de fevereiro de 2014

Clarice Lispector



Mineirinho


É, suponho que é em mim, como um dos representantes do nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irre­dutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”. Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.
Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais.
Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais — vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu – que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva.
Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo-terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente — não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta.
Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estre­meça.
A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.
Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo em Mineirinho — essa coisa que move montanhas e é a mesma que o fez gostar “feito doido” de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador — em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, que não me perdi, experimentei a perdição.
A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, espe­rando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem.
E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta tran­cada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma.
Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer.
Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.
Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo — uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do São Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muito séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.
Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização.
Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.
Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso – nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.
O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.

"Mineirinho" conto de Clarice Lispector, 1978 (Audio)

CLICAR 

Dinheiro



Silver shekel minted in Jerusalem in the First Jewish revolt against Rome in AD 68. 
Obverse: "Shekel Israel. Year 3" "Reverse: "Jerusalem the Holy"

Flourishing


"Flourishing and Attachment", Yale
"Flourishing and Detachment", Yale

Vida



15 de fevereiro de 2014

Platão


Cultura



CLICAR

Emigrantes


26 February 2013, Djibouti City, Djibouti, John Stanmeyer

African migrants on the shore of Djibouti city at night, raising their phones in an attempt to capture an inexpensive signal from neighboring Somalia—a tenuous link to relatives abroad. Djibouti is a common stop-off point for migrants in transit from such countries as Somalia, Ethiopia and Eritrea, seeking a better life in Europe and the Middle East. 

14 de fevereiro de 2014

Prayer and Study



"There is one spiritual activity that the sages regarded as even higher than prayer: namely, study of Torah, God's word to humanity and His covenant with our ancestors and us (Shabbat 10a). The entire Pirkei Avot (Ethics of the Fathers) is a set of variations on the theme of a life devoted to Torah study. In prayer, we speak to God. Through Torah, God speaks to us. Praying, we speak. Studying, we listen."  

Rabbi Jonathan Sacks

Vida


A green damselfly

Rabbi David Hartman



"Leon Charney Report" (1999) 

Moshe Rynecki



(Self-portrait)

Jacques Derrida




"On Photography"

Oriente


"Zen - Principles and Practices"

Pirkei Avot



"Do not trust yourself until the day of your death"

Pirkei Avot, 2:5

Rabbi David Hartman



"The Limits of Religion"

Vida



A cheeky red-billed oxpecker whispers into the ear of an impala. Balancing on the upright neck of the impala, 
the oxpecker even manages to fit its whole head inside the mammal's ear.

Roman Polanski



"Faca na Água" (1962)

Sea Peoples



A Philistine-style jug from Tell Abu al-Kharaz, Jordan (circa 1100 BCE)

12 de fevereiro de 2014

7 de fevereiro de 2014

850,000



The oldest human footprints ever found outside Africa, dated at between 850,000 and 950,000 years old, have been discovered on the storm-lashed beach at Happisburgh in Norfolk, England. 
The prints believed to have been left by small group of adults and children.

Chanah



Gerbrand van den Eeckhout, "Anna presenting her son Samuel to the priest Eli" (1665)

Rabbi David Hartman



"Rabbi David Hartman Tribute"

Yochanan Muffs



Chillul Hashem



"The rabbis take chillul Hashem so seriously that they place it in a category of its own when it comes to repentance. For minor sins, the Talmud explains, “repentance atones”: If you are genuinely sorry, God will forgive you. For more serious sins, “repentance suspends punishment and Yom Kippur atones”: Being penitent will make God hold off punishing you until Yom Kippur, which washes away the sins of the Jewish people. For still worse sins, which would ordinarily bring the death penalty, Yom Kippur itself merely suspends punishment, and only suffering atones. With Desecration of the Name, however, even suffering doesn’t make up for it: For such a sinner, only “death absolves him.” You have to pay with your life for this worst of all sins".

"In the Talmud, One Sin Is Beyond Repentance: Giving God and Jews a Bad Name" by Adam Kirsch

CLICAR

3 de fevereiro de 2014

Homem



Charter of the United Nations


CHAPTER I: PURPOSES AND PRINCIPLES

 

Article 2

The Organization and its Members, in pursuit of the Purposes stated in Article 1, shall act in accordance with the following Principles.
  1. The Organization is based on the principle of the sovereign equality of all its Members.
  2. All Members, in order to ensure to all of them the rights and benefits resulting from membership, shall fulfill in good faith the obligations assumed by them in accordance with the present Charter.
  3. All Members shall settle their international disputes by peaceful means in such a manner that international peace and security, and justice, are not endangered.
  4. All Members shall refrain in their international relations from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any state, or in any other manner inconsistent with the Purposes of the United Nations.
  5. All Members shall give the United Nations every assistance in any action it takes in accordance with the present Charter, and shall refrain from giving assistance to any state against which the United Nations is taking preventive or enforcement action.
  6. The Organization shall ensure that states which are not Members of the United Nations act in accordance with these Principles so far as may be necessary for the maintenance of international peace and security.
  7. Nothing contained in the present Charter shall authorize the United Nations to intervene in matters which are essentially within the domestic jurisdiction of any state or shall require the Members to submit such matters to settlement under the present Charter; but this principle shall not prejudice the application of enforcement measures under Chapter Vll.  

Mapas


Central Europe

Robert Capa



Pablo Picasso playing in the water with his son Claude, Vallauris, France. 1948